A Má'liança.

 Desejei que não tivesse marido, ou então que fosse maneta, até porque a aliança ainda hoje está marcada no meu lóbulo esquerdo. Era eu um imberbe, um catraio vestido consoante o estilo da mãe, quando lhe disse:

- As suas alpargatas são “feiazinhas” – Sabia que era uma opinião unânime da turma. Talvez tenha sido o tom depreciativo, culpa do diminutivo do adjetivo, que justifique a cassetete que levei da professora de “estudo do meio” … Uma chapada de mão cheia, que fez com que aquele anel atlético se pregasse à minha orelha que pagava a infração cometida pelos músculos da laringe.

Não se arrependeu, e continuou a falar de Camões que era cego de um olho e eu ficara surdo de um ouvido. Passei o dedo pela ferida e o sangue era incolor, não me preocupei, a cor vermelha talvez não fosse adequada para a aula de uma mulher que venerava Salazar. Levei a língua ao polegar, estava insípido, nem a ferro nem a prata.

Enquanto estava de costas olhei de novo para as alpargatas… a chapada não me tinha feito mudar de opinião. Ou era o tecido, ou o rosa carmim… ou então o problema estivesse mesmo no tornozelo inchado da professora. De todas as formas não concordei com a palma da mão que me tinham oferecido de forma estrondosa, ainda por cima a um pacato pelintra como eu que não tinha intenções de ser inconveniente. A verdade é que a Senhora Vilma não mediu as consequências, se me tivesse pelo menos castigado com uma régua, ou uma mão célibe, sem aliança, argola ou pulseira, provavelmente era agora um homem casado. Se já os outros casamentos me magoam, e neste caso deixou-me marca na minha reprimida orelha, o que seria do meu…

É por isso, esta vida celibatária.

E já agora, para os intrometidos que têm a desfaçatez de criticar o quintal de minha casa pelo arvoredo vasto, as ervas daninhas que albergam um pântano encantado e as silvas que se agarram à parede e sobem até às nuvens, pois bem, faz um ano que decidi tornar-me vegan. Verdade que ainda como frango assado e faço churrascos ao domingo, mas o que querem que vos diga? Temos de começar por algum lado, eu comecei no lado de fora, enquanto deixo a natureza sossegada.

                                                                                                                                                                                                        
                                                                                                                                                                                   Ricardo Queirós
                                                                                                         

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