Burburinhos. Já não durmo como dormia.
Aquele dorme porque é amado. Há muito que não durmo assim,
direito, de mão numa almofada, e a outra no coração, a sorrir para o vazio de
um quarto escuro… O outro dorme para tentar sonhar porque, quando acordado os
seus sonhos desvanecem a cada trinca de pão retardado, a cada gole de água no
bebedouro, a cada folha que cai no Outono monocromático. A mulher lá do outro
quarto também ainda está acordada, mas é um bom sinal, ouço o guinchar das
pernas de madeira de sua cama que acompanham o bater de estantes, o impulso
feroz do animal, e a voz esganiçada a marcar ritmos que variam do prazer à
agonia… Ginásio de corpos a masturbarem-se mutuamente, o ópio escaldante do
pré-sono, anestésico em sono, e encanto no pós-sono. Vão adormecer
profundamente…
Viro-me para o outro lado. Os burburinhos continuam, não vêm
da rua, nem do dormitório, não vêm de lado nenhum senão apenas de mim.
Desfigurado. Não consigo adormecer na minha companhia e há muito que me sinto
só dentro de uma mulher para me fazer adormecer ao lado de uma…
Lá em cima estão as crianças, há muito que se deixaram cair
na colcha, por entre os lençóis, que os protegem desses tais monstros que pouco têm
de fictício… eu sinto-os… eu vejo-os… eu alimento-me deles para que eles não se
alimentem de mim… O som do ressonar de uma criança é algo imaculado, faz-me
desejar que todos os Homens ressonantes soassem como uma pequena criança
cansada no fim de um dia de verão.
Em baixo estão as máquinas, Máquinas que fazem o pulsar dos
corações dos velhos suar demasiado alto. Não me incomoda, é sinal de que ainda
têm um resto de vida, um resto de bateria, um resto de alguma coisa. Pó. “O
mundo era pó, viera do pó, ao pó voltaria”.
Viro-me de barriga para cima. Não vejo as estrelas, antes visse para conseguir admirá-las e distrair-me com o seu brilho. Viro-me de barriga para baixo e sinto-me a sufocar como se a terra me estivesse a engolir. Debaixo da terra é onde dormem profundamente.
0 comentários:
Enviar um comentário