A Rapariga Do Café.

A rapariga do café, de pele escura que reflete o sol dos dias de verão, que corre de mesa em mesa nas suas sandálias desgastadas e com as pernas a respirarem o sopro da maresia que as ondas tendem a ir cuspindo. O seu cabelo encaracolado parece nunca se desfazer, rígido, respeitado pelo vento e chuva, entrelaçado e balançando enquanto baila de cliente em cliente… e que clientes aborrecidos… sentados de camisa aberta, umbigo de fora a cheirar o redor da esplanada à pinha, e que lhe pedem queijadas de cenoura e ela lá sabe quais são de cenoura, de laranja ou de limão… e que lhe pedem uma bica ¾ como se do seu pequeno bolso da sua pequena saia guardasse uma pequena régua… e que lhe sujavam as mesas de migalhas e lhe deixavam o prato limpo… e que lhe olhavam de baixo para cima…e de cima para baixo.

Tem poesia no corpo e isso enfeitiça os olhos do ser humano… mas as mulheres tratam-na mal, por inveja de uma beleza inalcançável, por uns olhos de avelã que sugam o encanto do areal, por uns lábios carnudos que guardavam o sorriso mais contagioso que o meu sorriso alguma vez vivenciara. O problema de trabalhar num café são sempre as pessoas, e ali havia de tudo, homens que se babavam perante as suas pernas desnudas, crianças que faziam birra por ela não lhes trazer um gelado, jovens carismáticos que lhe enviavam um sorriso em troca de um sorriso, mulheres que ordenavam outra empregada porque aquela tinha “mãos sujas”…  Era na copa que se refugiava, não chorava porque há muito perdera as lágrimas, mas era ali que se deixava sonhar enquanto ensaboava as chávenas sujas, derramadas pela borra do café, e sonhava… e quando não sonhava… pensava nos sonhos que tinha tido durante a noite, pensava na sua pobre mãe, no seu pequeno irmão em casa a pintar rabiscos, no seu pai retido em França depois de ser assaltado e ter perdido o dinheiro para voltar de novo a casa…

Nascera no cimo de um prédio pacato, mas fora nas ruas do bairro que passou a vida… agora contava os trocos e somava ordenados para conseguir voltar a viver, voltar a sonhar sem ser a dormir, ou sonhar sem acordar em pesadelo… Enquanto isso, vestia a farda de rapariga do café que a protegia da poeira da azáfama dos dias e noites que aconteciam.

A rapariga do café, dá sempre o troco certo como só uma calculadora conseguiria fazer, que tem uma voz doce quando anota os pedidos, que nos tempos mortos rabisca palavras num bloco que guarda no avental que chocalha com as moedas que lhe dou de gorjeta antes de abandonar a mesa e que a deixam radiante como o sol dos dias de Verão.

O tempo passou e eu sem lhe dizer como adorava quando ela me servia um pequeno cálice de bagaço que eu tendia acompanhar com um cigarro, como era delicioso o café que ela tirava e o quão fascinado eu ficava com o facto de ela me trazer um copo de água sem eu nunca o ter pedido. Sem nunca lhe ter confessado que adorava o seu perfume com aroma tropical e do seu creme de coco, que lhe deixava a pele a brilhar. Nunca lhe li John Fante, nem lhe cantei “Do You Love Me?” do Nick Cave… na verdade já tinha uma lista de filmes que ansiava ver com ela, uma série de aventuras assim que a tomasse nos meus braços, uma jornada de mixórdias emotivas, de lágrimas, de saudade, de gargalhadas… de vida.

O tempo passou e a rapariga do café foi embora, e todos os dias a procuro neste mesmo café, com a esplanada virada para o pôr do sol, com a maresia a cobrir os meus olhos desgastados e o céu a colorar a minha face enrugada.

Para ti,

Rapariga do café. (Ayana) 

                                                                                                                                                                                                   
                                                                                                                                                                                   Santiago Dias
                                                                                                         

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