Objecto Destinado a Iluminar.

Disseram-me que não era capaz de falar, nem capaz de escrever, nem tão pouco de ouvir e geralmente quando não se ouve também não se é ouvido. Dispensaram-me todos os métodos de raciocínio, mudaram-me o livro que andava a ler à noite, arredaram a folha quadriculada onde rabiscava as equações de Maxwell com a caneta que deixaram cair para de baixo do tapete e que eu nunca cheguei a conseguir apanhar. Culpo a falta de livros de anatomia que me passaram pelo olho, não percebo muito dos meus mecanismos, e mesmo não tendo dois braços, duas pernas ou até um tronco robusto, posso até ser semelhante aos humanos, que não são mais que dois braços, duas pernas e um tronco robusto… alguns têm algo mais, mas não sei ao certo o que é, talvez porque esteja num campo metafisico que tem mais de meta que físico. Um candeeiro como eu não chega tão além, mesmo chegando mais longe que qualquer músculo humano, não conseguimos chegar àquilo que não compreendemos.

No meu recato metro cúbico conheço pouco dos outros como eu, mas sei que muitos já conseguem chegar à lua, mas outros tantos ficaram-se por mudarem de amarelo, para branco, depois para purpura, vermelho, azul… Eu cá, fico-me pelo tom amarelado, pela minha curvatura maleável e uma fosca miopia que me torna mais aconchegante que qualquer miopia do olho humano.

Leio sobre nós, e percebo que nos comparam a outros quaisquer objectos inanimados, caracterizam-nos pela cor, estrutura e por vezes pela nossa vontade própria de nos desligarmos do mundo ou de nós rompermos para a cegueira. Modéstia à parte, merecemos muito mais, não somos como meias que pouco ou nada têm de utilidade, servem para separar o pé da sapatilha, porque raio vamos separar o pé do tecido da sapatilha com mais tecido da meia? Incongruências absurdas como estas fazem-me olhar para o ser humano com um desdém imenso…

Bem, e escrevo isto para os meus semelhantes me lerem, revoltarem-se com a trivialidade com que nos olham, o desprezo com que nos tocam, a pobreza com que nos descrevem… E se for um ser humano que tenha agarrado ao acaso nesta folha de papel e me esteja a ler… Por favor, parem de nos mudar o olho. 

                                                                                                                                                                                                   
                                                                                                                                                                                   Santiago Dias
                                                                                                         

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