Hoje mais do que qualquer dia, dediquei-me ao talvez.
Percebo que só vou saber se perguntar, e só vou perguntar se souber que não
sei… este receio dúbio e deselegante de ter receio e dúvida, atrasou-me a
viver. E viver é não ter certezas de nada na procura de certezas de tudo…
talvez não de tudo, mas quanto mais não seja de alguma coisa.
Hoje mais do que qualquer dia, dediquei-me à memória. Sou
memórias, e quero acreditar que seja das minhas memórias e não de outra pessoa
qualquer. Era estranho sermos memórias dos outros, porque aí também deixaríamos
de ser nós, e passaríamos a ser uma mistura de “eu” com o “tu”… e não se sintam
ofendidos, não era algo que eu quisesse (ou talvez eu seja isso mesmo, “eu” e
“tu”). Acho que não aguento mais memórias, bem as tento reter aqui, mas elas
vão desvanecendo… talvez um dia isto esvazie tudo, e aí peço que venham falar
comigo, porque terei todo o gosto em receber as vossas memórias, porque sem
memórias sou nada… e mesmo assim prefiro ser alguém do que nada… ou talvez não…
Não sei bem ao certo, contudo aquilo que eu sei é que sou o passado de que
ainda me lembro, e aquele que já me esqueci moldou-me nem que seja os braços,
ou as pernas, ou o cabelo, até porque não me lembro de ter caído aos 4 anos,
mas ainda hoje tenho aqui a cicatriz.
Hoje mais do que qualquer dia, dediquei-me à tua memória. Pensei,
que é algo que faço com pouca frequência talvez para não me desenquadrar do
mundo em geral. Pensar devia ser algo do teu tempo. E sim, agora estou a
escrever para ti. Mesmo não tendo bem a certeza se consegues ler… mas sei com
toda a certeza que não me consegues falar, nem consegues andar, e tão pouco
tocar-me… contudo pode ser que ainda consigas ler ou então pelo menos abraçar,
aí… onde quer que estejas. És um pouco como a memória, não sabe falar, não sabe
andar, não sabe tocar… mas pode ainda conseguir abraçar. Talvez sejas isso
mesmo, memória, e por isso mesmo é que para mim ainda estás tão presente como
estavas antes de te deitares naquela maca e decidires nunca mais acordar.
Sempre foste muito dorminhoco, já devia ter desconfiado que assim que fechasses
os olhos, não ias querer abrir. Tinhas também o saco de memórias cheio e não havia
muito mais para ver aqui. Contudo, eu cá continuo a sentir-te a memória, mas
não te sinto o corpo… e por isso é que para mim continuas vivo como sempre. És
memória, e a memória sou eu. Não há nada mais vivo que eu, mais vivo que a
memória e agora que escrevo sobre ti. Agora que escrevo sobre ti, não há nada
mais vivo que tu.
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