Última Peça

Gosto de puzzles. Gosto, desde que me lembro.
Nunca deixei nenhum por fazer...

Em momento algum os acabava num só dia, muitas vezes nem numa semana, guardava-os o máximo de tempo, conservava com cuidado tudo até ao último segundo, sabia-me bem desvendar atentamente cada elo de ligação, prolongar o clímax para que depois, no encaixe daquela última e tão aguardada peça, me sentisse tão ou mais completo do que aquilo que eu próprio completei. Podia fazê-lo quando era criança, porque quando somos crianças temos todo o tempo do mundo.

Ser criança é criar nostalgias. É ter tempo para sentir o cheiro do prado, a sensação desagradável do sal do mar que nos arranha ao vestir a t-shirt, é o som do crepitar do lume nas noites de Inverno…

Agora as peças são demasiadas para um só puzzle. E tantas são as imagens que vão surgindo ao longo da sua longa construção...

Existi na ânsia de achar que estava apto para associar tudo, como fazia quando era miúdo. Mas a verdade é que o puzzle que me apresentaram ao longo dos anos, não é nem um de 500, nem de 1000 peças, nem pouco mais ou menos… demorei anos e anos nesta procura insana das peças que me faltam para completar a imagem final. 
Sei que se tivesse pegado naquela ali, perto da margem esquerda e a tivesse forçado a encaixar no centro, o resultado final teria um aspecto tão diferente. Talvez deveria tê-lo feito, estão aqui tantas peças que eu não consegui controlar a sua união, e outras tantas que fui tirando e colocando até dar o resultado que eu esperava… Mas aquela em específico, é tão bonita, tão pura e está ali naquele canto, escondida... Como me arrependo de a ter afastado tanto do centro.

Cada uma, desde a margem esquerda até à margem direita, teve um tamanho distinto da outra que se seguira. Sempre diferentes, no entanto complementavam-se de uma forma única.
E agora no meio está só e somente um vazio. Um lugar vago para aquele que é decerto o último pedaço. 

Está na hora de colocar finalmente a última peça e acabar com o vazio.
...
..
.

O puzzle desmoronou.                                                                                                                                                                                                        

                                                                                                                                                                                   Ricardo Queirós
                                                                                                         

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