A Miúda Que Não Sente

Deitada na cama e de óculos postos
Lê e rele todas aquelas letras que se unificam
(As pessoas tendem a sublinhar nos livros
As palavras com que se identificam)
Não havia nem se quer um breve apontamento...
Nem margem para sentimento...
Parecia ter perdido algo, mas não sabia o quê.
De telemóvel ao peito, aguarda a vibração
Que lhe fizesse de novo pulsar o coração...
Simulacro de vida sem emoções que ela não vê
Mas crê em cair na sanidade de fuga à paixão.

Tudo é previsível excepto quando se trata de amor
Ela não ama.
A não ser quando toma um gole de vodka pura
Mas é coisa que pouco dura
Veneno e antídoto que não cura.
No rosto lê-se o passado de desgosto
Usaram-na. Pelo menos deram-lhe uso...
O coração é cinza, resultado de fogo posto.
A miúda ergue-se e bafa um cigarro
Não ousa dizer que está mal
Na verdade não se lembra de alguma vez ter estado bem
Mas nela existe algo curiosamente fatal.

Não fodia há semanas...
(Notável na maneira como se masturbava).
Ao tempo que nada fazia porque não queria
Ainda mais porque nenhum rapaz a interessava.
(Tantas vezes lá lhes fez ela a vontade
E vingava-se em tomar a iniciativa
Mas odiava sentir-se cativa)
De olhos fechados, mal aproveitava o corpo
Tocava-se somente para se sentir viva

Seguiu para o chuveiro que corria água quente
Esfregava o corpo sem respeito
E evitava a demora até nas partes mais bonitas
Mas era ternurento o enjeito
Parecia lavá-lo como se não lhe pertencesse
A inconsciência perante a sua própria beleza
Algo atraente mesmo que não o merecesse...
E não se deixa ficar. Que exílio profundo
Tanto encanto naquele coração imundo
Que não ri... que não chora
Pelo qual estou apaixonado desde o primeiro segundo...
                                                                                                                                                                                                   
                                                                                                                                                                                   Santiago Dias
                                                                                                         

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